Em nosso escritório, nos últimos anos, cresceu a procura por assessoria e consultoria jurídica de adquirentes de unidades imobiliárias onde a incorporadora suspendeu ou abandonou as obras do empreendimento imobiliário e, assim, restando muitas dúvidas aos compradores, como por exemplo, a perda da unidade e do valor investido, a criação de uma sociedade simples ou associação para continuar e terminar a obra.
Portanto, nestas próximas semanas, abordarei a “POSSIBILIDADE DA DESTITUIÇÃO DO INCORPORADOR IMOBILIÁRIO” pela suspensão ou abandono da obra.
Não é de hoje que os adquirentes preocupam-se com a falência das incorporadoras e construtoras, mas o marco crucial foi a falência da Encol, que pegou milhões de compradores de surpresa e do dia para noite depararam-se com as obras abandonadas, sendo milhares de prédios abandonados “no esqueleto”, e sem saber o que fazer.
A Encol decretou falência em 1999, deixando mais de 25 mil trabalhadores desempregados e sem receber as indenizações trabalhistas e “órfãos” mais de 42 mil compradores de imóveis.
Após a falência da Encol, que gerou muito prejuízo ao mercado imobiliário, as incorporadoras/construtoras adotaram a SPE (Sociedade de Propósitos Específicos), pois esta Sociedade possui a formação e estruturação separada da incorporadora, portanto, protege os investidores e adquirentes de eventuais confusões financeiras, ou seja, entre o ativo e passivo do empreendimento X ativo e passivo da incorporadora, transmitindo mais segurança e transparência.
Mas o que é uma SPE?
Segundo o SEBRAE: “Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um modelo de organização empresarial pelo qual se constitui uma nova empresa, limitada ou sociedade anônima, com um objetivo específico cuja atividade é bastante restrita, podendo em alguns casos ter prazo de existência determinado, normalmente utilizada para isolar o risco financeiro da atividade desenvolvida”
A SPE surge da celebração de um contrato de sociedade e especificamente para um projeto.
Insta esclarecer que não há uma lei própria que trate da Sociedade de Propósitos Específicos – SPE e somente com a edição do novo Código Civil de 2002, esta teve menção como um tipo societário mercantil, contudo, é uma figura que surgiu com a previsão da Lei 11.079/2004, inicialmente, com o propósito de facilitar parcerias público-privadas, mas o mercado imobiliário adotou-a como um instrumento nas incorporações imobiliárias.
Outro fato muito importante que ocorreu devida a falência da Encol foi a união dos adquirentes em sociedades civis, cooperativas ou associações, com o fito propósito de retomarem as obras abandonadas pela Encol.
Importante informar que, com o advento do novo Código Civil de 2002, as Sociedades Civis foram extintas e deu-se lugar às Sociedades Simples.
Ademais, nosso país passou por várias oscilações financeiras desde a falência da Encol, em 1999, “quebrando” incorporadoras/construtoras, bem como várias construtoras entraram em recuperação judicial, como a PDG e a Rossi.
Recentemente, a pandemia de Covid-19 abalou o fluxo de caixa das incorporadoras/construtoras, pois muitas pessoas, com receio do futuro, rescindiram seus contratos, diminuindo o ritmo da obra e desestabilizando o cronograma previsto.
Mas não só isso prejudica o caixa, pois as incorporadoras/construtoras iniciam vários empreendimentos ao mesmo tempo, descontrolando suas finanças, portanto, desviam recursos de um empreendimento para outro e assim, inicia-se a derrocada das obras.
A adoção da SPE concedeu maior segurança aos adquirentes, mas, mesmo assim, muitas incorporadoras/construtoras “passaram e passam os pés pelas mãos” e acabam por ter problemas financeiros e este fato leva ao pior dos cenários: abandono e suspensão das obras.
No próximo artigo, continuarei a abordar o tema.
Renato Ferraz Sampaio Savy é advogado imobiliário e condominial, mestre em Direitos Difusos e Coletivos, professor universitário, coordenador da pós-graduação de Direito Contratual e Direito Imobiliário do Proordem-Campinas. E-mail: [email protected] Site: www.ferrazsampaio.adv.br