Este artigo visa complementar, agora com o apoio de nosso colega e especialista da área de anemia da ABHH, um tema de extrema importância à Hematologia e à Saúde Pública que se refere as anemias de múltiplas causas, particularmente a ferropriva. Em dois artigos publicados em novembro de 2023 nesta coluna do Hora Campinas, abordamos o tema de modo geral e discutimos a questão das anemias em pacientes portadores de Câncer (1 – 2).
Vamos aqui aprofundar o tema da mais frequente das anemias que é a anemia ferropriva.
Algumas informações gerais para o melhor entendimento por parte de nossos leitores do tema são necessárias. O ferro é um elemento químico essencial à vida e desempenha dezenas de funções metabólicas em nosso organismo. Um adulto de altura e peso médio, tem cerca de 4000 mg de ferro elementar sendo que o mesmo está distribuído nos glóbulos vermelhos (2000mg – 50%); no fígado, 1000mg, e nos depósitos da medula óssea e baço, 1000mg.
A ferritina é uma proteína presente em vários órgãos e no sangue e é capaz de armazenar cerca de 5000 átomos de ferro elementar havendo uma correspondência entre 1ng/mL de ferritina com 8-10 mg de ferro de estoque. Os níveis normais de ferritina em adultos é da ordem de 30ng/mL, mas há uma tendência dentre os especialistas a considerar este nível normal igual ou superior à 50ng/mL.
A deficiência de ferro acomete, desproporcionalmente, as mulheres. Estima-se que 30-50% das mulheres em idade reprodutiva tenham deficiência de ferro. A deficiência de ferro reflete a importante redução dos estoques e isto leva à mobilização de ferro dos músculos (mioglobina) e de outros tecidos para manter a produção normal de sangue.
Portanto, não é necessário ter anemia para apresentar sintomas. A deficiência de ferro, mesmo sem anemia, pode estar associada a um conjunto de sinais e sintomas tais como a fadiga, perda de pelos e cabelos, irritabilidade, redução de concentração no trabalho ou escola, redução de memória, etc.
Assim, a carência de ferro deve ser tratada. Devemos alertar aqui, que níveis normais ou elevados de ferritina não significa que que não haja carência de ferro ou anemia ferropriva. Como proteína de fase aguda, a ferritina pode se elevarem processos ativos inflamatórios, infecciosos e mesmo em determinados tumores. Os hematologistas, clínicos gerais, geriatras e pediatras podem seguir algoritmos para o diagnóstico e terapêutica disponíveis em publicações especializados e amplamente disponíveis.
Do ponto de vista bastante prático e simples define-se anemia com níveis <13g/dL em homens, <12g/dL em mulheres e <11g/dL em gestantes. Entretanto, em certas circunstâncias, há necessidade de orientação profissional devido a algumas variações da normalidade.
O tratamento da anemia ferropriva, é claro, visa reconhecer e eliminar, se possível, os fatores causais. A anemia ferropriva é uma síndrome e não uma doença primária. Assim, a causa da anemia ferropriva deve ser diagnosticada e tratada.
A busca de perdas insensíveis ou mesmo sensíveis, de sangue, principalmente digestiva ou ginecológica, é fundamental na condução dedos casos. Em relação ao tratamento com o ferro, o ferro oral continua sendo a via preferencial no tratamento da deficiência de ferro, com tempo de monitoramento e tratamento e doses adequadamente definida pelo médico. Porém, existem formas alternativas quando a resposta terapêutica ou a tolerância ao ferro oral não forem adequadas.
O uso de ferro venoso é uma modalidade eficiente de terapêutica quando o ferro oral, por alguma razão, não funcionar.
Existem várias formulações de ferro venosos que podem ser utilizadas, sempre sob orientação médica. O uso de transfusões é raramente indicada e deve ter indicação muito restrita e em situações de emergência.
Assim, esperamos ter orientado sobre a anemia ferropriva e ter complementado nossas orientações anteriores em um problema médico dos mais frequentes em todo o mundo.
1- Anemia: a síndrome clínica mais frequente na humanidade – 13/11/2023
2- Anemia no Câncer tem causa multifatorial e grande influência para a qualidade de vida do paciente – 20/11/2023
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
Rodolfo Cançado é professor assistente doutor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, membro e coordenador do Comitê de Anemias e membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).